Oswaldo França Júnior – Três homens

Minha família é composta de três membros. Um demente, um gênio e eu, que sou militar.
Todos nós, não sei se vocês sabem, temos um costume: o de à meia-noite sair e dar três voltas em torno de nossa casa.
Meu parente que é louco dá as três voltas procurando sua estrela de cinco pontas.
Meu parente que é gênio levanta-se à meia-noite e dá as três voltas em torno da casa procurando uma verdade.
E eu, que sou militar, dou as três voltas procurando o meu deus vermelho.

FRANÇA JÚNIOR, Oswaldo. As laranjas iguais: contos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. pág.53

Caio Fernando Abreu – Aqueles dois

Aqueles dois  (História de aparente mediocridade e repressão)

Para Rofran Fernandes:

“I announce adhesiveness,
I say it shall be limitless,
unloosen il.
I say you shall yet find the
friend youwere looking for.”

(Walt Whitman: So Long!)

 I

A verdade é que não havia mais ninguém em volta. Meses depois, não no começo, um deles diria que a repartição era como “um deserto de almas”. O outro concordou sorrindo, orgulhoso, sabendo-se excluído. E longamente, entre cervejas, trocaram então ácidos comentários sobre as mulheres mal-amadas e vorazes, os papos de futebol, amigo secreto, lista de presente, bookmaker, bicho, endereço de cartomante, clips no relógio de ponto, vezenquando salgadinhos no fim do expediente, champanha nacional em copo de plástico. Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra — talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou.

Continue lendo “Caio Fernando Abreu – Aqueles dois”

Luis Fernando Veríssimo – Conto de verão nº 2: Bandeira Branca

Ele: tirolês. Ela: odalisca; Eram de culturas muito diferentes, não podia dar certo. Mas tinham só quatro anos e se entenderam. No mundo dos quatro anos todos se entendem, de um jeito ou de outro. Em vez de dançarem, pularem e entrarem no cordão, resistiram a todos os apelos desesperados das mães e ficaram sentados no chão, fazendo um montinho de confete, serpentina e poeira, até serem arrastados para casa, sob ameaças de jamais serem levados a outro baile de Carnaval. Continue lendo “Luis Fernando Veríssimo – Conto de verão nº 2: Bandeira Branca”