[clique aqui se preferir este texto em versão .doc (MS Word)]
Sandro Brincher; Sabatha Catoia Dias
Florianópolis, maio de 2005.
O presente texto, produzido a partir de leituras para uma disciplina do curso de graduação em Letras, apresenta quatro noções distintas e complementares sobre o Barroco que, acreditamos, podem ser úteis tanto aos recém-chegados ao mundo acadêmico quanto aos que ainda estão iniciando o contato com esse universo. São pequenos resumos do que julgamos mais importante destacar nessas obras. Desfrutem.
Livro: Literatura Portuguesa – História e Emergência do Novo
Autor: Leodegário A de Azevedo Filho
As origens do barroco se encontram na própria desintegração do mundo renascentista. O homem renascentista, saía do centro da cena, ao mesmo tempo em que a Reforma desarticulava a unidade da igreja, provocando a forte reação da Contra-Reforma.
Nos meados do séc. XVI a crise do Renascimento já estava instaurada em Portugal, e a literatura ia deixando de ser um instrumento de análise do homem em sua condição e natureza puramente terrenas, segundo a concepção humanística da época, para incorporar a dúvida transcendente. Se tudo no mundo material era precário, passageiro e ilusório, restava ao homem indagar das verdades eternas, isentas de máculas e de imperfeições.
O Concílio de Trento, empenhado na repopularização das artes, para levar o catolicismo ao seio do povo, realizou-se plenamente no barroco. A estética jesuítica procurava no barroco as suas formas de expressão artística.
Duas vozes mais altas do estilo barroco na língua portuguesa: Padre Vieira e Gregório de Matos.
Padre Vieira: Tinha um estilo múltiplo, tornando-se geométrico pela construção de linhas melódicas que se superpõem ou intercruzam, transmitindo a impressão visual de volutas ou arabescos, a exemplo do que se fazia na arquitetura da época. O analogismo é constante, estabelecendo paralelos freqüentes entre os temas sagrados e o tema que desenvolve. O seu estilo é mais verbal que nominal, recorrendo ainda a verbos substantivos, no lugar de substantivos puros: “o pregar” e “o semear”. Há metáforas, símbolos e alegorias.
Vieira trabalha levando em conta o estilo do pregador, a preparação do ouvinte e a graça de Deus.
A sua linguagem é pontilhada de anáforas, trocadilhos, jogos de palavras e de conceitos, de imagens e de símbolos, ao lado de antíteses e paradoxos, de hipérboles e de imagens emblemáticas, tornando-se intencionalmente ambígua, pois falava sempre de Deus pensando nos homens.
Livro: Literatura Brasileira – Das origens aos nossos dias
Autor: José de Nicola
Barroco
O termo barroco denomina genericamente todas as manifestações artísticas dos anos 1600 e início dos anos 1700. Além da literatura, estende-se à música, pintura, escultura e arquitetura da época.
A origem da palavra barroco é controvertida. Alguns etimologistas afirmam que está ligada a um processo mnemônico (relativo à memória) que designava um silogismo aristotélico com conclusão falsa. Segundo outros, designaria um tipo de pérola de forma irregular, ou mesmo um terreno desigual, assimétrico.
O barroco também é chamado de Seiscentismo, por ser a estética dominante nos anos de 1600 (séc. XVII).
Em Portugal, o barroco tem seu início em 1580 com a unificação da Península Ibérica.
Momento histórico:
Séc. XVI: Seus 25 primeiros anos foi um período áureo de Portugal, seus 25 últimos anos foi um período negro da história.
O comércio e a expansão do império ultra-marino levaram Portugal a conhecer uma grandeza aparente. Ao mesmo tempo que Lisboa se tornava a capital mundial da pimenta, a agricultura lusa era abandonada. Por outro lado, as colônias, pricipalmente o Brasil, não deram a Portugal riquezas imediatas; assim, com a decadência do comércio das especiarias orientais observa-se o declínio da economia portuguesa. Paralelamente, Portugal vive uma crise dinástica: em 1578, levando adiante o sonho megalomaníaco de transformar Portugal novamente num grande império. D. Sebastião aventura-se em Alcácer-Quibir (África), onde desaparece; dois anos depois, Filipe II da Espanha consolida a unificação da Península Ibérica. Tal situação mantém-se até 1640, quando ocorrerá a Restauração (Portugal recupera sua autonomia).
A perda da autonomia e o desaparecimento de D. Sebastião originam em Portugal o mito do Sebastianismo (crença segundo a qual D. Sebastião voltaria e transformaria Portugal no Quinto Império). O mais ilustre sebastianista foi o Padre Antônio Vieira.
A unificação da Península veio favorecer a luta conduzida pela Companhia de Jesus em nome da Contra-Reforma o ensino torna-se quase um monopólio dos jesuítas, e a censura eclesiástica, um obstáculo a qualquer avanço no campo científico-cultural.
Características:
O homem do Barroco vivia um estado de tensão e desequilíbrio, do qual tentou evadir-se pelo culto exagerado da forma, sobrecarregando a poesia de figuras, como a metáfora, a antítese, a hipérbole e a alegoria.
Todo o rebuscamento que aflora na arte barroca é reflexo do conflito entre o terreno e o celestial, o homem e Deus (antropocentrismo e teocentrismo), o pecado e o perdão, a religiosidade medieval e o paganismo renascentista, o material e o espiritual, dilema que tanto atormenta o homem do séc. XVII.
Podemos notar dois estilos no barroco literário: o Cultismo e o Conceptismo.
Cultismo: linguagem rebuscada, culta, extravagante, valorização do pormenor mediante jogo de palavras.
Conceptismo: jogo de idéias, de conceitos, seguindo um raciocínio lógico, racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada.
Livro: O Barroco
Autor: Victor-Lucien Tapié
Definição e história da palavra Barroco:
Se nos reportarmos ao primeiro dicionário (1690) da língua francesa que consignou o termo, encontramo-lo ali revestido de um sentido claro e definido: “É um termo de joalheria, designativo de pérolas de esfericidade imperfeita”.
Desde então muito se tem discutido sobre a origem da palavra barroco, devendo-se considerar atualmente que ela remonta, sem dúvida, à palavra portuguesa Barroco, empregada para designar a pérola irregular.
A palavra Barrueco, equivalente castelhano de Barroco, entrou no jargão técnico da joalheria por volta do segundo terça do séc XVI.
Mais tarde se procurou estabelecer um relacionamento com a palavra Baroco, que é uma figura de silogismo. Só que Baroco não traduz nenhuma irregularidade, imperfeição ou extravagância no modo de pensar, mas sim com intenção pejorativa: os estrangeiros se divertiam em ratar seus doutores de Baroco (para ridicularizar as concepções muito formais das Universidades Francesas).
Termo Barroco na música: Jean-Jacques Rousseau definiu: “Uma música barroca é aquela de harmonia confusa, sobrecarregada de modulações e dissonâncias, a entonação difícil e o movimento afetado”.
Barroco na arquitetura: “Barroco é uma gradação do bizarro; o abuso. A idéia de barroco implica a do excesso de ridículo”.
Werner Weisbach demonstrava que o barroco foi a expressão de uma civilização católica, com seus valores peculiares, suas contradições e seu impulso geral.
Tendência ao pitoresco, dinamismo das formas, propensão ao teatral.
Eugenio d’Ors: se decidisse rotular de barroco na arte, na literatura e em outros domínios, tudo o que não fosse fiel ao ideal da razão harmoniosa, da beleza das proporções, de regras definidas por doutrinas coerentes, podíamos estar seguros de descobrir-lhes as manifestações em todas as fases da história, em que as forças da paixão, da fantasia prevaleceram sobre o equilíbrio da disciplina. Era um círculo encantado. Em vez de aprofundar a noção de barroco nos tempos modernos, encontravam-no em toda parte, ameaçando faze-lo diluir-se.
O escritor distinguia mais de vinte espécies de barroco, desde a Pré-História, até o pós-guerra de 1914, com os contrastes e inquietações que lhe haviam provocado maior atração pelo barroco.
O barroco cantou a glória, a força, a alegria, a liberdade, a conquista de Deus pela fé e o sacrifício lucidamente aceito.
O Renascimento e o Barroco:
O barroco está relacionado coma ruptura do equilíbrio aparentemente alcançado pelo Renascimento, em que as exigências do espírito, o esforço para o conhecimento universal, a consonância das paixões humanas e das riquezas da natureza com o ideal platônico de beleza pareciam ter encontrado sua realização.
Séc. XVI: Reforma Protestante se desenrola. Por Reforma é preciso considerar não apenas Lutero e seu rompimento coma Igreja, mas a angústia universal que atinge simultaneamente as classes instruídas e as camadas populares, ultrapassa e abala as sutis interpretações dos círculos de letrados e filósofos, obriga a civilização a despir seus caracteres aristocráticos para ministrar ao mundo cristão respostas que o revitalizem.
Por isso esse século é, na história do mundo moderno, um século de transição e de gestação.
Obs.: O Barroco não sucedeu imediatamente ao Renascimento, houve um período intermediário: o Maneirismo.
O que se produziu na Itália, ou seja, a passagem do Renascimento ao Barroco, através do Maneirismo, pode ser observado em outros países. Nesse sentido não se deve acreditar que ao barroco italiano do Seiscentos cabe a paternidade dos outros barrocos, nem talvez uma anterioridade cronológica.
Sociedades da Europa Moderna e o Barroco
Valores que se revelaram mais favoráveis ao sucesso do barroco:
Concepção da religião e do culto: a crise religiosa do século XVI questiona toda a herança espiritual da Idade Média. A reforma é uma ruptura com essa herança e é um retorno às origens do cristianismo. Deus, porém só deus, A comunhão, por certo, mas não mais a missa. A fraternidade dos fiéis e não mais a hierarquia da Igreja. A recordação dos defuntos, porém não mais as preces aos mortos.
Contra-Reforma: o Concílio de Trento resolveu renovar a fé cristã e a espiritualidade como a Reforma preconizara, mas desta vez através de uma igreja romana depurada. A arte religiosa foi reanimada, promovida a um novo surto. O Concílio, em reação contra o paganismo, apenas um dos aspectos do Renascimento, não renegava, portanto, todo o Renascimento. Além disso, foi a pomposidade do Renascimento que reapareceu na arte barroca.
Os princípios arquitetônicos e as formas do Renascimento e do Maneirismo foram conservados, depois interpretados num sentido cada vez mais favorável ao movimento, à procura do efeito pelo contraste e a suntuosidade, e que se formou assim um novo estilo ao qual se aplica justamente o epíteto de barroco.
Suntuosidade, tanto nas artes quanto nos adornos dos reis, príncipes.
O Barroco na Espanha e países Ibéricos:
Se o barroco está intimamente associado à doutrina do Concílio de Trento e à difusão de valores sensíveis na vida religiosa, se ele procede do renascimento, mas nutre-se igualmente de tradições mais antigas, enfim, se ele é, com freqüência, ao mesmo tempo aristocrático e popular, é exatamente a experiência espanhola que se deve interrogar a seu respeito.
A Espanha atinge, no século XVI e na primeira metade do XVII, um poderio político, um resplendor espiritual, uma força da língua e da literatura, que justificaram a denominação de século de ouro. Há uma reforma católica em seu espírito e em seus fins práticos.
As formas de devoção barroca (pinturas, santos, estátuas) tinham uma recusa da medida, da harmonia, do equilíbrio, da serenidade nessa vontade de comover e inquietar.
O imaginário sensual, a cenografia, o drama sacro substituindo a prece íntima ou a liturgia. É uma séria, verdadeira e autêntica emoção religiosa.
O barroco português tem numerosas afinidades com o barroco espanhol e não se deve esquecer que, de 1580 a 1640, os dois reinos tiveram o mesmo príncipe. Mas ele mantém sua originalidade.
O barroco da Espanha e de Portugal se propagou, além-mar, em seus Impérios coloniais. À conquista política estava intimamente ligada a evangelização: impunham-se regras e conventos.
Até o fim do séc. XVII, o barroco, enquanto refluía na Europa, tomava um novo impulso na América, por tão numerosas e curiosas obras, pela história da arquitetura e da arte monumental, um imenso campo de estudo apenas esboçado.
Um dos artistas mais expressivos de todo o barroco: Aleijadinho.
Livro: Teorias do Barroco
Autor: Lourival Gomes Machado
O maneirismo correspondia a um esgotamento das possibilidades expressivas alcançadas na culminância renascente, não porque se tivesse esgotado o gênio inventivo europeu, mas porque se abrira um fosso entre a expressão plástica e o conteúdo expressivo, dada a desadequação entre uma arte cuja força e apuramento pareciam destina-la a permanecer pelos séculos afora, e uma cultura espiritual, que progredindo incessantemente, assumia sempre novas feições e enveredava sempre por novos caminhos. Ora, os traços “absolutos” do Renascimento que, não permitindo novos avanços no mesmo sentido, haveriam de provocar uma mudança de orientação. Cede o científico ao poético, abrindo-se campo para um subjetivismo que, restasse entregue a si mesmo, haveria de abalar a Igreja no século XVI, cuja reação se exprime na subordinação do subjetivismo dos meios expressivos a um conteúdo espiritual objetivo – é o barroco.
O barroco se definirá como pictórico, exprimindo-se em profundidade, por meio de formas abertas, alcançando unidade indivisível e clareza relativa.