Ultra-romantismo e rock: universo macabro, egocentrismo e mortes precoces
Semíramis Corsi
Lemos na aula de 5/ago alguns poemas emblemáticos do Romantismo brasileiro, conversamos sobre as características desse modo de pensamento e de criação artística e observamos a influência da filosofia romântica na música, principalmente nos anos 80, através de temas como o amor e a morte, além do clima sombrio e macabro de muitos textos (como o clássico Noite na taverna, de Álvares de Azevedo). Para ajudá-los a entrar no clima do tópico, elaborei uma playlist com vários artistas dos anos 80 que, explícita ou implicitamente, tem alguma ligação com esse universo romântico. Aumentem o volume e dancem. (é só clicar neste link para abri-la)
O rock como expressão musical e estilo de vida, que se tornou ao longo dos anos, prega, em geral, a rebeldia contra os costumes vigentes, ataca o sistema capitalista, incluindo, de certa forma, a religião oficial, o que muitas vezes rendeu aos rockeiros erroneamente e sem exceções o título “anti-Cristo”. O rock expressa o hedonismo, a busca máxima de prazeres terrestres (drogas, sexo) – é o Carpe Diem e a filosofia epicurista levados ao seus extremos, de maneira que faz Horácio* revirar na tumba. O rock prega também o individualismo, a vontade própria acima de todas as outras, o ser diferente e não massificado, chegando ao descontrole de alguns rockeiros brigarem por suas bandas como no recente caso acontecido na cidade vizinha de Franca/SP. Antes de continuar devo salientar que meu objetivo não é fazer uma crítica mordaz ao estilo de vida rock’n’roll… longe de mim que gosto de rock com todas as letras, mas apenas colocar alguns traços deste movimento, o que não quer dizer que são fielmente seguidos por todos, mas principalmente pelas “estrelas do rock”…. e é delas que este texto trata.
Também com o intuito de contrapor a certos valores racionalistas e materialistas burgueses, alguns autores do movimento romântico na literatura, passam a se expressar artisticamente, criando uma literatura fantástica, satânica, degradante, com textos que podem ser identificados com sonhos, loucuras, mistérios, e MORTE. Trata-se dos autores ultra-românticos (segunda geração da poesia romântica e prosa gótica). Com estes autores a literatura ganha novos rumos, sem o comprometimento com o nacionalismo (primeira geração de poetas românticos). Descrentes com as idéias que levaram à Revolução Francesa e sem projetos político-sociais (preocupação dos poetas da terceira geração), estes autores voltaram para si próprios, em uma atitude pessimista para com a vida, vivendo entediados com o mundo burguês e esperando pela morte (forma de expressar sua indignação com a realidade).
No rock, associar músicas com o diabo, com o macabro, com o universo pessimista, depressivo e com a morte latente, não é um privilégio do ESTILO GÓTICO. Como, por exemplo, o heavy metal (Black Sabbath e Iron Maiden), o pós-punk, “deprê” e dark (Joy Division, The Cure e Bauhaus) e até mesmo compositores que não tem lá suas identificações com as roupas pretas, como Raul Seixas (“O diabo é o pai do rock…”, lembra?) e Beatles (lembra da capa do CD Sgt. Peppers e de canções como Year blues e Revolution usadas por Charles Manson em seus assassinatos?).
Porém, o ponto mais curioso de encontro entre estas duas manifestações artísticas (tanto rockeiros como autores ultra-românticos) está em outra identificação em comum que eles compartilham: as mortes prematuras e trágicas banhadas a álcool e drogas. Ambos buscam levar uma vida inadequada à realidade, sendo, na maioria das vezes, considerados pela sociedade como marginais e “malditos”.
Neste sentido, podemos citar casos como o de Álvares de Azevedo (1831-1852), principal poeta do ultra-romantismo no Brasil, morto aos 21 anos de idade vítima do mal do século – tuberculose; Casimiro de Abreu (1839-1860), que apesar de não ter toda a atmosfera negra e pessimista de Álvares, também morreu jovem aos 21 anos de tuberculose; Fagundes Varela (1841-1875), poeta amargurado, boêmio e marcado pela morte do filho com três meses de vida e Junqueira Freire (1832-8155), obsidiado pela morte, depressivo, morreu aos 23 anos de problemas cardíacos que o molestavam desde a infância.
Tratando-se dos rockeiros, podemos citar os casos de Ian Curtis, vocalista da banda inglesa Joy Division, se enforcou em 1980 aos 23 anos, suas letras densas foram grande inspiração para o brasileiro Renato Russo, também morto jovem e tragicamente de AIDS. Os três Js do rock: Janis Joplin, Jimy Hendrix e Jim Morrison, todos grandes nomes deste estilo musical, levaram um estilo de vida semelhante, marcado pelas drogas e morreram aos 27 anos em decorrência de overdoses. O guitarrista Brian Jones, um dos fundadores dos Rolling Stones, morreu aos 27 anos por motivos ainda improváveis. Também Kurt Cobain morreu aos 27 anos (a tenra e trágica idade no rock!) com um tiro na cabeça disparado de sua própria arma. Outro caso é o de Sid Vicious, baixista dos Sex Pistols e grande marca do movimento punk, abusou das drogas a ponto de matar a própria namorada em uma briga, estavam tão dopados que não perceberam o ferimento (Cena mostrada no longa metragem Sid e Nancy), morreu meses depois de overdose, aos 21 anos.
Estes são apenas alguns nomes mais conhecidos que levam-nos a identificar estas duas expressões artísticas em vários pontos, manifestando-se em diferentes artistas, alguns com total analogia, outros com algumas semelhanças apenas… resta-nos a idéia de que enquanto aqueles morriam de suicídio ou de tuberculose, causada pela vida boêmia regada a absinto, estes morrem de overdoses, suicídios e do novo mal do século: a AIDS… todos jovens demais…
* Poeta romano (65-8 a.C) idealizador da filosofia do carpe diem, curtir o dia como se fosse único, baseado na filosofia epicurista da busca do prazer máximo.