Manoel de Barros – Matéria de Poesia (lido por Sandro Brincher)

Do que trata a poesia? Qual seu foco? De que ela se ocupa? Há infinitas respostas para essas perguntas, mas uma das mais bonitas é a do poeta Manoel de Barros, cuja obra está centrada justamente nas coisas mais pequenas, inúteis e imperceptíveis de nossa existência. O arquivo de áudio abaixo é minha leitura do poema “Matéria de Poesia”, no qual ele apresenta sua “teoria” sobre o(s) objeto(s) da poesia.

Manoel de Barros – Matéria de Poesia (lido por Brincher)

A Antônio Houaiss (1974)

Todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para a poesia

O homem que possui um pente
e uma árvore
serve para poesia

Terreno de 10×20, sujo de mato – os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesia

Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
são bons para poesia

As coisas que não levam a nada
têm grande importância

Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral

O que se encontra em ninho de joão-ferreira :
caco de vidro, garampos,
retratos de formatura,
servem demais para poesia

As coisas que não pretendem, como
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia

As coisas que os líquenes comem
– sapatos, adjetivos –
tem muita importância para os pulmões
da poesia

Tudo aquilo que a nossa
civilização rejeita, pisa e mija em cima,
serve para poesia

Os loucos de água e estandarte
servem demais
O traste é ótimo
O pobre – diabo é colosso

Tudo que explique
o alicate cremoso
e o lodo das estrelas
serve demais da conta

Pessoas desimportantes
dão para poesia
qualquer pessoa ou escada

Tudo que explique
a lagartixa de esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia

O que é bom para o lixo é bom para poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório;
a palavra repositório eu conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de silêncio
sabe a destroços

As coisas jogadas fora
têm grande importância
– como um homem jogado fora

IN: BARROS, Manoel de. Gramática Expositiva do Chão (Poesia quase toda). Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1990.

Gilberto Mendonça Teles – Arte de Armar

§ 1. Com armas e bagagens
e algumas apólices
na armadura

a(r)ma o teu próximo
para o melhor da viagem
nesta leitura:

há sempre um fósforo
na tua gula

§ 2. Arma os dois gumes
da repetição
Arma o virunque
arma o teu cão

Arma o arremesso
arma o teu pulo
arma o teu ermo
e o teu murmúrio

Há sempre avesso
no teu mergulho

§ 3. Se queres a paz
arma o parabélum.
Se queres o pus,
olha para o belo
pavão de teus pés
neste ritmo velho

há sempre um juiz
de coice e martelo.

§. 4 No meio da ponte pênsil
arma o alarma dos teus cinco
sentidos. E arma o silêncio
do paradigma longínquo.

Arma o teu jogo de tênis,
arma o teu jogo de bingo,
arma o teu lance solene
para a sessão de domingo.

Há sempre estirpe de fênix
na ponta da tua língua.

§ 5. E arma o idílio das formas no teu pulso,
que há sempre uma armadilha no discurso.

IN: TELES, Gilberto Mendonça. Arte de Armar. Rio de Janeiro: Imago, 1977.

Carta de Isaac Asimov aos futuros leitores de uma nova biblioteca

Como os livros funcionam

“16 de março de 1971

Caros Meninos e Meninas,

Parabéns pela nova biblioteca, porque não é apenas uma biblioteca. É uma espaçonave que os levará aos mais distantes confins do Universo, uma máquina do tempo que os levará ao passado longínquo e o futuro a perder de vista, um professor que sabe mais do que qualquer ser humano, um amigo que os divertirá e os consolará – e, acima de tudo, um portal para uma vida melhor, mais feliz e mais útil. Isaac Asimov

É uma das 97 cartas enviadas por personalidades às crianças na abertura da nova biblioteca de Tory, Michigan, EUA, em 1971 por uma iniciativa de Marguerite Hart, que simplesmente escreveu às figuras famosas pedindo que dirigissem palavras de incentivo aos leitores. Quatro décadas depois, a mesma biblioteca, como muitas, enfrenta dificuldades e pode ser fechada.

Fonte: Science Blogs