Hoje fui amistosamente interpelado pelo pai de um aluno. Ele se apresentou e também o fiz. Em seguida, começou o diálogo.
– Professor, eu estava na sala lá de casa ontem quando ouvi meu filho conversando sobre alguma coisa da tua aula, mas de repente uma expressão me chamou a atenção. Ele disse “mitologia cristã”. Perguntei onde ouviu isso e ele disse que foi na tua aula. Fiquei curioso. Você disse mesmo isso?
Eu tava vontade nenhuma de papear porque só fui substituir um colega nas duas primeiras aulas e já ia voltar pra casa, então nem ensaiei muito a resposta. Ele que marcasse um horário e a gente debateria longamente sobre estado laico e o que mais quisesse.
– Sim, falei mesmo. Se é justo falar de mitologias indígenas, mitologia grega, mitologia romana, é justo falar de mitologia cristã, judaica, islâmica. Mas se o senhor quiser, podemos marcar um horário com a coordenação e ___
– Não, não é necessário. Só queria dizer que a gente tirou ele duma escola religiosa porque às vezes tínhamos medo do que ele dizia, isso lá com 8 ou 9 anos, quando voltava do colégio. Não somos ateus nem nada, só não queremos que ele cresça achando que existe um só caminho certo, e que uma é religião, mas as outras são mitologias, são contos de fadas, enfim. Esse negócio de “mitologia cristã” me pareceu coisa de quem respeita minimamente isso. Você é ateu, certo?
– Graças a deus! Hahahaha
– Hahahahaha, Nossa, isso me lembra o nome de um livro que li na escola! Como era mesmo?
– “Anarquistas, graças a Deus“, da Zélia Gattai.
– Isso mesmo! Muito bom esse.
– Foi com ele que eu descobri Bakhunin, Kropotkin, Victor Hugo, Émile Zola. Só coisa boa.
– É verdade, tinha muitas referências, pena que eu não tinha ninguém pra me ajudar a filtrar, a ir atrás.
– Mas seu filho tem, se o senhor quiser. Tô aqui pra isso e sou do tipo que já chega com o livro na mão.
– Manda bala, professor. Fico muito feliz em saber disso. Não quero te prender mais. Obrigado aí pela conversa.
– Eu é que agradeço. Apareça quando quiser!
Hoje não tem finalzinho poético, mas a lição que ficou foi bem simples: não tenha pressa antes de ouvir o que o outro tem a dizer… ou escolha outra carreira que não a docente.
Até a próxima.
8 de abril de 2017
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