Gilberto Mendonça Teles – Arte de Armar

§ 1. Com armas e bagagens
e algumas apólices
na armadura

a(r)ma o teu próximo
para o melhor da viagem
nesta leitura:

há sempre um fósforo
na tua gula

§ 2. Arma os dois gumes
da repetição
Arma o virunque
arma o teu cão

Arma o arremesso
arma o teu pulo
arma o teu ermo
e o teu murmúrio

Há sempre avesso
no teu mergulho

§ 3. Se queres a paz
arma o parabélum.
Se queres o pus,
olha para o belo
pavão de teus pés
neste ritmo velho

há sempre um juiz
de coice e martelo.

§. 4 No meio da ponte pênsil
arma o alarma dos teus cinco
sentidos. E arma o silêncio
do paradigma longínquo.

Arma o teu jogo de tênis,
arma o teu jogo de bingo,
arma o teu lance solene
para a sessão de domingo.

Há sempre estirpe de fênix
na ponta da tua língua.

§ 5. E arma o idílio das formas no teu pulso,
que há sempre uma armadilha no discurso.

IN: TELES, Gilberto Mendonça. Arte de Armar. Rio de Janeiro: Imago, 1977.

Gonçalves Dias – Ainda Uma Vez, Adeus

Ainda Uma Vez Adeus

I
Enfim te vejo! – enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!

II
Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!

III
Louco, aflito, a saciar-me
D’agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esperança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!

IV
Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.

V
Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura…
Olha-me bem, que sou eu!

VI
Nenhuma voz me diriges!…
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias – bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!

VII
Oh! se lutei!… mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?

VIII
Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t’esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T’esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!

IX
Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!

X
Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei;
“Ela é feliz (me dizia)
“Seu descanso é obra minha.”
Negou-me a sorte mesquinha…
Perdoa, que me enganei!

XI
Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde pára?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano desfez!

XII
Enganei-me!… – Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu’era…
E um louco fui, nada mais!

XIII
Louco, julguei adornar-me
Com palmas d’alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
C’o que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.

XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera…
E eu! eu fui que a não quis!

XV
És doutro agora, e pr’a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!

XVI
Dói-te de mim, que t’imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!… de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!

XVII
Adeus qu’eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!

XVIII
Lerás porém algum dia
Meus versos d’alma arrancados,
D’amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; – e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, – de compaixão.

Marize Castro – Uma mulher que se abre

Em prosa poética, Marize Castro explica o que
acontece quando uma mulher se abre.

Quando uma mulher se abre o que há de mais solitário se alarga. Espantalhos de dor se mostram e se decompõem. Flocos de agonia se aproximam. Crescem perdas. Voam conchas.
Uma mulher que se abre é uma mulher mergulhada em anáguas e sendas. Saltando sobre a luz. Deram-lhe lanças e um falso espelho para enganar as feridas.
Quebrada, ela conduz corações ao túmulo. Esperando que uma nova morte traga-lhe nova grinalda e novo véu.
Em surdina, uma mulher que se abre deseja o esquecimento e a maternidade. Quer parir, dormir, trepar. Morte à memória!
– O mundo não corrompe quem habita os subterrâneos.
Disse-lhe um livro com o sol no ventre.
O extravio de uma mulher que se abre é um deslumbre. Uma significação doce e mórbida. Possui a beleza e está carregado de hóstias e sepulturas.
Moças e rapazes, caindo em abismos, sustentam essa mulher aberta. Beijam-lhe o útero exposto.
Afogado em seus cabelos, ela se arqueia na esperança que o amor, quando novamente acontecer, não traga algemas.
Uma mulher que se abre é pedra, cratera, rio, relíquia.
Traz na língua o perdão e suas chamas.

Fonte: Diário de Natal; edição de 18 de julho de 1999.

Tony Roberson de Mello Rodrigues – Lágrimas Lapidadas; verso que te quero povo

O colega e escritor Tony Roberson de Mello Rodrigues disponibilizou dois dos seus livros para download gratuito no portal Recanto das Letras: Lágrimas Lapidadas (1998) e verso que te quero povo (2003). Mais uma boa dica para quem está procurando o que ler nas férias.

Lágrimas Lapidadas (1998): http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/3061107

SINOPSE: Este é o livro de estreia do autor, que não apenas escreveu o livro como o revisou, diagramou, criou a arte da capa e da contracapa. Contendo poemas, histórias e aforismos, foi lançado durante a Mostra do Potencial Educativo da antiga Escola Técnica Federal de Santa Catarina (hoje CEFETSC), Florianópolis, em outubro de 1998, com tiragem de apenas 190 exemplares. São poemas que tratam em sua maioria de amor, problemas sociais e memória, e prosas que versam principalmente sobre o cotidiano do autor, então com 18 anos e todos os sonhos do mundo. A digitalização e disponibilização desta obra tem, dentre os objetivos principais (e despretensiosos), o de possibilitar ao leitor o acompanhamento da evolução da escrita do autor entre a publicação deste livro (1998), a do livro verso que te quero povo (2003), e os textos literários disponíveis atualmente aqui no blog do autor e no site Recanto das Letras.

verso que te quero povo (2003): http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/3039810

SINOPSE: Este livro contém poemas nas mais variadas estruturas de composição, com predominância de trovas, sonetos e versos livres. Nele há grande utilização de paródias (principalmente políticas), intertextualidade para com textos já consagrados na literatura brasileira e portuguesa mundial, apelo à reflexão sobre problemas sociais, principalmente ecológicos, e algumas experimentações com o erotismo, além de um forte apelo ao tom memorialista (pessoal ou histórico) de muitas das poesias. Livro publicado com recursos financeiros de amigos, e que alcançou com muito orgulho uma primeira tiragem de 1000 exemplares. Da escrita e revisão dos poemas, passando pela organização e diagramação do livro e criação da capa, todo o projeto foi feito pelo próprio poeta, que já havia lançado seu primeiro livro, Lágrimas Lapidadas (1998), com poemas e crônicas, e agora se prepara para lançar novo livro de poemas e prosas.

Férias, livros paradidáticos e diversão

Eu sei que a maioria de vocês vai morrer de saudades de acordar de madrugada, sair da cama quentinha e pegar aquele frio delicioso deste nosso inverno polar para ir à escola ler sobre, entre outras coisas, caras que já morreram há quinhentos anos e deixaram cartas muito marotas sobre as indiazinhas brasileiras, então resolvi amenizar um pouco essa perda insuportável que vocês vão sofrer nesses dias de “descanso”.

Coloquei mais alguns ótimos contos na seção de dicas permanentes. São textos excelentes, de linguagem acessível e com aqueles finais de dar nó no cérebro, do jeito que vocês gostam. Portanto, divirtam-se!

Livros paradidáticos

Além disso, dessa diversão toda, não podemos esquecer da parte que, além de divertida, é curricular: os livros paradidáticos. Devo confessar que o termo “paradidático” me deixa preocupado. Sempre lembro de paramédicos, de 192, de algum daqueles programas de TV sobre emergências, enfim, mas ao mesmo tempo lembro que a leitura [e a escrita] pode[m] ser um ótimo remédio para a mente. Vamos por partes, diria o Jack:

  • 1º ANO:
    • Caminhos errantes da liberdade [Jorge Miguel]: o trabalho consistirá numa questão a ser respondida com bastante argumentação e naquele clássico formato dissertativo: o que justifica o adjetivo “errantes” do título do livro? Escolha pelo menos dois dos oito contos e compare-os, tendo em vista a questão acima. Data de entrega: 12 de Agosto. A atividade valerá para o 2º trimestre.
    • Os meninos do banhado [Edith Brockes Tayer]: faremos uma tarefa avaliativa em sala de aula, portanto, façam a leitura do livro antes do dia 23 de Setembro. A atividade valerá para o 3º trimestre.
  • 2º ANO:
    • Vocês entregarão uma resenha crítica sobre o livro Profissão: Jovem até o dia 12 de Agosto.
    • No dia 23 de Setembro teremos a apresentação dos trabalhos sobre O Cortiço [Aluísio de Azevedo], que serão feitos em grupo. A ideia é simples: cada grupo vai escolher uma cena ou trecho do livro e representá-la ou recontá-la de alguma forma. As opções ficam a critério de vocês. Aceito audiolog, videolog (para qualquer um destes dois, faça um roteirinho antes), encenação teatral (tente utilizar as habilidades aprendidas nas aulas de Artes; peça ajuda à professora), composição musical, enfim, usem a criatividade.
  • 3º ANO:
    • Como venho frisando para vocês desde as primeiras aulas, temos uma lista de obras, que são as obrigatórias do vestibular. Cabe a nós a transformação dessa obrigatoriedade em diversão. Já discutimos O pagador de promessas [Dias Gomes] e Inocência [Visconde de Taunay]. Ainda temos uma lista considerável e precisamos dar conta dela independente dos conteúdos a serem vistos. Aproveitem as férias, leiam, anotem, façam paralelos com outras leituras, com filmes, músicas, enfim, mergulhem nas leituras, absorvam o que elas têm de melhor a oferecer. Isso vale mais que pontos numa prova.

Desejo ótimas férias e boas leituras a todos!

Jostein Gaarder – O Mundo de Sofia

O Mundo de Sofia é um romance do norueguês Jostein Gaarder publicado em 1991. O livro foi escrito originalmente na língua do autor, mas já foi traduzido para mais de 50 idiomas. A primeira edição em português saiu em 1995.

O romance conta a história de uma adolescente que começa a receber misteriosas cartas de um filósofo, Alberto, com quem começa ter aulas sobre diversos temas relacionados à história da filosofia. Entretanto, há outros elementos, principalmente as estratégias narrativas (que vão desde a parte “detetivesca” da história até o final surpreendente do romance), que tornam esta uma leitura essencial para o ensino médio.